Ana Rosa: aquele mau presságio, que tanto temera, finalmente lhe alcança
As quatro pétalas da
Rosa narra a história de quatro mulheres que se conhecem parcialmente, e
que possuem, além do nome, outra coisa em comum: a violência doméstica.
No entanto, uma não conhece esse segredo da outra e, por sofrerem
caladas, acabam tendo finais completamente diferentes. As quatro pétalas
são as quatro mulheres representadas por uma das mais significativas
flores que existem, a rosa. As pétalas formam um todo, mas,
individualmente, e sem proteção, são fracas e morrem.
Acordada pela madrugada, ainda
atormentada pelo medo “daquele” homem, Aninha lembra aquelas mãos
grossas e calejadas tocando o seu braço. Ela sente muito mais que um
simples receio, mas um tipo de sentimento estranho, tenebroso, bem
parecido com aqueles que as vítimas de filmes de terror sentem quando
estão na presença de um psicopata apavorante. O medo da menina, no
entanto, não é o de uma possível violência em si – muito mais do que
isso, envolve uma possível rejeição da mãe por não querer acreditar em
nada do que lhe disser.
Maristela, sempre empolgada com o alto
volume das músicas que gosta de ouvir, não presta muita atenção nas
necessidades da filha. Acredita que por já ter quase 10 anos, é uma
“quase moça”, que não demorará muito a lhe dar o típico trabalho de uma
adolescente.
Maristela, que vive com uma pensão
mensal do primeiro marido morto, às vezes, quando deseja, arruma um
trabalho de diarista no centro da cidade. E quando quer e consegue, com a
ajuda de uma amiga, deixa a filha na casa do namorado – “a única pessoa
em quem pode confiar”, orgulha-se.
– Aninha, hoje você vai ficar na casa do
Frank, pois vou passar o dia inteiro no centro. Consegui uma faxina na
casa de uma senhora...
E antes de terminar o pensamento, a
menina pôs-se a redarguir com uma recusa angustiada, que pareceu à mãe
uma ofensa... Não, pior: rebeldia – algo inaceitável a Maristela.
– Eu não estou perguntando se você quer ficar... Você vai ficar lá!
– Eu posso ficar aqui sozinha, mãe...
Já nervosa, visto que nunca demorava
muito para se aborrecer, repentinamente lançou um palavrão para a
menina, como se soubesse que apenas o extremo a faria calar de vez.
Saiba mais sobre "As quatro pétalas da Rosa"
Aninha, sem opção, seguiu com a mãe para
a casa do namorado. Na porta, a irmã dele, Meire, as recebe com um
sorriso breve. Aninha alarga o olhar para todas as direções, na
esperança de não vê-lo, ou, talvez, vê-lo, para acabar logo com aquela
aflição que já lhe dominara.
Maristela perguntou por ele:
– E o Frank?
Ao que Meire retruca secamente:
– Ele saiu desde cedo e ainda não voltou.
– Eu queria deixar a minha filha aqui, porque preciso ver um serviço lá no centro...
Na tentativa de convencer a “cunhada”, Maristela empurrou os lábios para dentro apertando-os forçadamente.
A irmã de Frank, mais por pena da
menina, que não tinha onde ficar, do que pela falsa expressão de
Maristela, concordou com a permanência. Porém Aninha, numa última prova,
ensaiou mais uma súplica:
– Por favor, mãe, me deixa ficar em casa...
Mas, brutamente, aos gritos, a mãe devolve:
– Pra quê? Pra colocar fogo em tudo, do jeito que é desastrada?!
Maristela não queria saber de modos,
principalmente porque não se importava em ser educada com a tal cunhada,
que só conseguia engoli-la por ser irmã do namorado.
Mais tarde, Aninha pega no sono. Já
havia almoçado, visto tevê e até tomado banho. A irmã de Frank era uma
boa pessoa, especialmente com crianças, pois fazia alguns trabalhos
sociais com menores carentes em uma ONG.
Após uns minutos, depois que Aninha
adormecera, Meire não vê problema em dar uma rápida passada na casa de
uma amiga ali perto. Se a menina dormira, pensou em não haver problemas
em deixá-la a sós por alguns longos minutos, ou quem sabe umas horinhas,
para abastecer os ouvidos da amiga e os seus também de conversas
parvas, mas que as considerava bastante úteis.
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Aninha, sozinha no quarto de Meire, por
alguns instantes, acha que está sonhado, por vezes acredita que está
mesmo prestes a acordar. Ergue as pálpebras lentamente, e até os
próprios cílios clarinhos consegue avistar. Observa de relance o vulto
de alguém lhe analisando, porém, na cama macia, continua vencida pelo
sono. Sente o colchão mover-se, ainda que estivesse solitária; mas como
se um inseto asqueroso estivesse subindo por suas pernas, arregala os
olhos já graúdos e caramelados, esfriando empalidecida.
E aquele mau presságio, que tanto temera, finalmente lhe alcança. Era a vítima cara a cara com o seu agressor.
Aguarde a continuação.
Você, mulher, sofre ou conhece alguém que sofra com a violência doméstica? Conheça o Projeto Raabe.
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