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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Última parte da história da pétala Rosalina

"Nem terminei o raciocínio e ouvi um forte murro na mesa. Foi um murro de aviso, que me disse mais do que qualquer palavra falaria"

Por Jaqueline Corrêa
jaqueline.correa@arcauniversal.com

 
 
A primeira surra veio após eu descobrir quem era Jorge, de verdade. Um dia ele viajou. Disse que ia até a capital resolver alguns assuntos. Como havia dito, ele era caminhoneiro, então sempre viajava, sempre estava ausente. Após o terceiro mês que estávamos juntos, suas viagens passaram a ser frequentes.
Desta vez, ela durou muito. Mais do que o de costume. Ele havia viajado para a capital do estado e não ficava tão distante assim a ponto de já se passar mais de 30 dias. Comecei a ficar preocupada com aquilo. Até que uma vez, avistei outro caminhoneiro, conhecido nosso, e lhe perguntei sobre Jorge.
Ele hesitou muito em falar, e percebi que não gostaria de responder nada. Ainda assim insisti muito. Mas ele, visivelmente constrangido, dizia que não sabia por onde andava.
- Você está mentindo! – disse bem brava.

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O interessante é que 2 dias depois, Jorge apareceu. Estava mais gordo, barba feita, uns tipos de roupa diferentes. Aquilo parecia um personagem, como se o meu Jorge quisesse se esconder atrás daquele outro que estava à minha frente e havia esquecido de tirar a fantasia.
- Bem sei que andas perguntando sobre mim para todo o mundo...
- Estava preocupada, afinal, você já estava longe havia mais de 1 mês...
Nem terminei o raciocínio e ouvi um forte murro na mesa. Foi um murro de aviso, que me disse mais do que qualquer palavra falaria. Queria me intimidar, que eu sentisse medo, que eu soubesse muito bem com quem estava me metendo, que eu não tinha nada com a vida dele, apesar de eu fazer parte dela.
Foi quando lembrei-me do meu primeiro marido, das surras, das injustiças, das humilhações e da promessa que fiz que nunca passaria por isso novamente. Então, rebati. E me arrependi. O provoquei, perguntei se estava me traindo, se havia outra mulher entre nós.... Ele riu, debochou. E disse que viajaria à capital no mês seguinte.
- E ai de ti que fique por aí perguntando por mim. – ameaçou-me com o indicador apontado para o meu rosto.
Fiz pior. Não perguntei a ninguém sobre ele. Isso, aliás, deveria ter feito antes de me juntar a ele. Estava tão louca, apaixonada, que acreditei piamente em meus sentimentos. Claro, a minha cabeça avisava-me que deveria esperar, que não havia necessidade de mergulhar em um poço que parecia tão raso. Mas para mim era tudo tão profundo, meu coração estava encharcado de paixão. E agora o que me restava era correr atrás do tempo perdido, talvez houvesse conserto. Talvez Jorge estivesse passando por uma situação difícil. Quem sabe uma doença? Na capital há muitos hospitais especializados. Há tratamento para todo tipo de ruindade de pele e de cabeça. Gostaria de ajudá-lo, reatar o relacionamento bruscamente afetado. Seria ciúmes dele? Ou quem sabe um sentimento de posse, para que eu ficasse sempre à sua espera sem que eu invadisse demais a privacidade dele? Mesmo assim, nada disso seria certo. Eu precisava saber o que se passava com ele. Éramos companheiros, para ele casados, inclusive, ainda que não oficialmente.
Para ter certeza, o segui. Esperei ele entrar no caminhão. Poucos minutos depois, apanhei um táxi. Sabia que ele voltaria à capital. Não era muito longe, mas o suficiente para acabar com quase todo o dinheiro que tinha. Jorge também não costumava deixar nada para mim. Dizia que eu sabia me virar bem no salão, mesmo sabendo que às vezes não aparecia cliente algum.

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O caminhão dele entrou numa rua pouco movimentada. Ali ficavam vários caminhões estacionados. Depois, entrou num ônibus e seguiu. Fui no táxi atrás, sempre atenta para ver onde saltaria. Após uns 15 minutos, mais ou menos, desceu. Eu pedi para que o taxista me esperasse e fui a pé atrás do Jorge.
Caminhando a passos largos, parou em frente a uma casa. Uma residência bem jeitosa, pintada de amarelo bem clarinho e detalhes em marrom. Antes de apertar a campainha, retirou um pente do bolso, penteou os cabelos e, para a minha surpresa, abriu o portão com uma chave que tirou do outro bolso.
Um cachorro apareceu tão eufórico que tive a impressão de que se conheciam de longa data. Em seguida, duas crianças correram e pularam em seu colo. O meu coração pulava tão forte, que pareciam batidas de um tambor.
Respirei fundo e voltei para o táxi antes de ter a minha pressão baixa. Fiquei em um albergue, já que o dinheiro não era muito realmente. No dia seguinte, bem cedo, apareci próximo à casa. E enquanto pensava se iria até lá para tirar satisfação, muitos outros pensamentos me dominavam. Estava inundada de incertezas. Mas necessitava tirar aquela história a limpo. E quando dei por mim, lá estava eu, inerte, em frente ao portão. Minhas mãos gelavam, meus dedos suavam, a minha pressão estava caindo. Desisti. Voltei as costas para sair, quando ouço uma voz:
- Mamãe, tem uma mulher aqui.  – fechei os olhos, mas encarei a situação. Não havia mais alternativa.
Ela veio até mim. Era uma mulher de traços bonitos que pareceria mais bela se se cuidasse mais. Tinha o cabelo à meia altura amarrado para trás, alguns fios desalinhados mostravam que estavam desidratados e com mais de uma cor. Os olhos firmes e ao mesmo tempo desconfiados me olhavam como se eu fosse uma intrusa ou uma transeunte querendo alguma informação sobre a região. Não sei ao certo o que deve ter se passado em sua mente.
- Estou procurando uma casa para alugar. Gostaria de saber se você sabe se há alguma por aqui. – Tentei e consegui disfarçar ao máximo. Ela riu com ar de decepção e me pediu desculpas por não saber e não poder me ajudar. Pareceu-me simpática e educada, do tipo de pessoa que se incomoda consigo mesma por não saber como providenciar auxílio ao próximo.

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Após aquele breve momento, voltei para a minha cidade. Para a minha surpresa, Jorge já estava lá. Voltara na mesma noite anterior. Puxou-me pelo cabelo, me rodou e jogou no chão. Fui chutada várias vezes até vomitar. Foi quando ele parou.
- Pensas que não sei onde esteves ontem? Pensas que não sei que foste atrás de mim até a capital? O que queres saber de mim? Pergunta e eu te responderei! Queres saber daquela mulher? Ela é minha esposa. Queres saber daqueles meninos? São meus filhos.
Ainda com a boca suja e chorando não sei se de dor no corpo ou de decepção, esbocei alguma reação inútil para falar, mas não conseguia. Ele, porém, conhecendo-me bem, respondeu à minha pergunta sem que ela tivesse sido feita:
- Queres saber por que vim morar contigo se já sou casado? Pois bem, porque queria me divertir contigo. Queria saber como era ter uma família numa cidade e uma mulher em outra. Estás satisfeita com a minha resposta? Mas não pensa que foste de todo usada. Foste para mim uma mulher que me atraiu. Eu gostei de ti, mas comecei a ti rejeitar quando senti que querias me prender a ti. Sou um homem livre, ainda que casado. E não aceito domínio de mulher sobre mim.
Essa era a razão de Jorge sempre se opor ao casamento comigo. Fui enganada. Mas isso não ficaria assim.
Ele, apesar de tudo, continuou comigo. Não me bateu mais. Disse que gostava de mim, e que desejava manter as coisas como estavam. Mas não era esse o meu sonho, o meu desejo de formar uma família, que até então era formada apenas por mim e por Pingo, o meu vira-lata. Não concordei, logicamente, então, terminei o relacionamento formado havia menos de 1 ano. Jorge, nem por um instante aceitou. Recusou e passou a me ameaçar. Queria me ter a qualquer custo. E por causa da minha constante recusa, resolveu me ameaçar.

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É por isso que estou aqui, presa. Não aguentei a quantidade de ameaças. Não suportei o medo que o meu passado me trazia. O medo do retorno das humilhações, dos espancamentos, do desprezo e, o pior, da prisão. Na verdade, o aprisionamento de uma relação sem futuro, de um caso sem solução para mim – era o que eu pensava. E como os meus sentimentos me jogaram para aquela situação, agora estavam me lançando para outro problema.
O esperei chegar. Peguei uma arma comprada no mercado negro e me livrei dele ali mesmo, em casa. Fui sozinha à delegacia. Apresentei-me ao delegado, que me prendeu. Fui levada, semanas depois, ao presídio feminino. Estou aqui até hoje. Isso já faz mais de 3 anos. Naquele momento, senti-me liberta das ameaças de morte, mas fiquei aprisionada não apenas no crime, como também em todo o enlaço que fui tecendo ao longo daqueles anos. E os meus sentimentos, a minha paixão, como um demônio que me instigava, me abandonaram. Largando-me sozinha com a minha consciência.
Aquela jovem me ouviu, e desta vez não me interrompeu. Deixou-me fluir naquelas lembranças, como a uma sinfonia que se ouve sem ousar suspender. Reparei na serenidade dela e perguntei-lhe se estava satisfeita com a minha história. Ela só me disse que, na verdade, a minha história, o meu passado, aquilo a que eu dava tamanha importância, estava me tornando cativa de mim mesma.
Ela me deu um livro, que dizia que eu poderia sim voltar a ser uma mulher de verdade. A mulher que nunca fui, não por não querer, mas por não saber como ser. Ainda continuo na cela, pagando pelo crime que cometi. Mas estou livre de mim, da paixão, dos sentimentos que me laçaram a alma e do meu passado sufocante. Estou atrás das grades, mas livre das correntes invisíveis que me prendiam.
Na próxima semana, saiba como termina a história da pétala Ana Rosa.

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