Nem sempre o que se apresenta na internet é o que parece
De um papo entre um casal que nunca se viu pessoalmente, num chat qualquer, em um fim de noite bem urbano:
– Está pensando o quê? Sou homem da
cozinha! Acabei de fazer um macarrão oriental com um molho picante e
shiitake, aromatizado com ervas, fenomenal! O cheiro está me chamando lá
da cozinha, onde o deixei esfriando um pouco!
– Hmmm! Que delícia! Bem... Já que é
para falar de coisa boa, precisa ver a roupa com que vou dormir daqui a
20 minutinhos... E nada de um marido especial para olhar, depois de
tamanho investimento! A gente tem que se cuidar para o cônjuge sempre reparar e gostar.
Veja também:
– Me conta! Conta!
– Não conto. Use a imaginação! Você não tem muita mesmo? Então! Use! E eu disse para ma-ri-do ver. Ainda estamos num estágio bem inicial de nos conhecermos. Segura a sua onda, menino!
– Tudo bem. Também... Fiz macarrão para
duas pessoas e vou comer tudo sozinho! A mesa já está arrumada com os
talheres e pratos que só uso pra ocasiões muito especiais. Chato será
lavar o wok depois. Ah! Ao som da Billie Holiday baixinho no CD.
– Para você sozinho? Que chique!
– É? Você nessa produção toda aí para dormir sozinha e eu é que sou chique?
– Isso porque você nem viu a roupa de
cama! Os lençóis... As velas perfumadas... Mas tudo bem! É uma vingança.
Ou você acha que também não fiquei com água na boca por essa delícia de
macarrão aí? Ainda mais à mesa, desse jeito que você falou!
– Pois é... Mas... Tenho que ir lá comer, pois estou cansado e daqui a pouco também vou para a cama. Tchau! Beijo.
– Ok, querido. Um beijo!
Ele desligou o laptop, foi à cozinha, pegou o macarrão instantâneo
que deixou esfriando. No granito da pia, a tampa da embalagem: “Basta
adicionar água fervente e esperar 3 minutos.” Pegou a embalagem, cujo
conteúdo ainda fumegava, e sentou-se no sofá. Desligou o rádio, que
tocava alguma coisa bem brega, de um grupo espalhafatoso que tinha menos
talento que uma moto velha com escapamento aberto e ligou a tevê para
assistir à reprise de algum filme B que já havia visto umas 15 vezes.
Ao mesmo tempo, do outro lado da cidade,
ela apagava o abajur com a cúpula torta e puxava o cobertor de
poliéster, vestida com uma camiseta branca quatro números acima do seu,
com a estampa na frente: “Vote: Juca da Quitanda para vereador.”
E ambos foram dormir, sonhando com uma vida melhor. Ambos acompanhados por suas férteis imaginações sem ação.
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