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terça-feira, 2 de outubro de 2012

O amor como razão de toda uma vida

Pedagoga aposentada usa o dom da palavra para obter ajuda e distribuir donativos tanto para entidades quanto para pessoas

Por Pedro Henrique Cunha
redacao@arcauniversal.com
 

Consta na literatura inglesa que Robin Hood viveu durante o século 13, na Inglaterra. Hábil no uso do arco e flecha, era louvado pelos pobres. Estava quase sempre acompanhado de amigos nas suas investidas. Tal como é conhecido, o "príncipe dos ladrões" pode até nem ter existido. Mas o legado mítico de ajudar a quem precisa é real. No bairro da Várzea, no Recife, capital pernambucana, Maria Holanda de Oliveira, de 77 anos, é uma versão moderna do herói. Não precisa roubar para ajudar. Pratica a arte do bem pedir e do saber falar. A palavra como arma de mudança social. Qualidades que a ajudam a melhorar o cotidiano do seu bairro. 
Quase oito décadas de uma vida, que pode ser dividida em dois capítulos. Um, versa sobre pedagogia. Aos 17 anos ensinava na casa-grande de um engenho, onde nasceu, a 200 metros do seu atual endereço. "Dava aulas por amor. À época, meu pai era um rico comerciante do bairro", explica. Cerca de duas décadas depois, as aulas nas mesas centenárias da sala da casa seriam em colégios. A casa-grande foi substituída pela sala de aula. Não menos importante.
A formação superior em pedagogia viria em 1970. Cinco anos depois, a enchente mais destruidora que Pernambuco já enfrentou destruiu a Escola Municipal Célia Arraes, onde Maria ensinava. Quando o nível da água baixou, colégio e bairro começaram a ser reconstruídos a partir da casa dela, poupada da enxurrada, que se transformou em centro de arrecadação de donativos para moradores e merenda para os alunos. "Foi triste, mas superamos pedindo e gastando palavras", conta. Passou. Hoje, Maria se orgulha dos profissionais que ajudou a formar como educadora. Revolução feita com cadernos, lápis e borrachas, em mãos, e muitos pensamentos na cabeça. O primeiro capítulo. A pedagogia assistencialista, aquela que vai além da sala de aula. 
Atualmente, ela se dedica à política social. Pedindo, venceu a desnutrição que acometia 60 crianças, entre dois e seis anos, atendidas em uma creche do bairro da Mustardinha, também do Recife. Desde 2008, já reuniu novos copos, pratos, fogões, ventiladores e poltronas. "Tenho o dom de pedir", afirma. Em Boa Viagem, ajuda outras 60 mulheres e 20 crianças. A ação mais recente foi a semana do sabão. Conseguiu juntar mais de 50 barras. O pouco que arrecada com os vizinhos, no próprio bairro, se transforma em alimento e conforto para quem precisa.
Quando olha para trás, revive as histórias do passado. Como a de Cosmo. Para ela, impossível esquecer. Foi Maria quem deu a ele mais um ano de vida. Cosmo era portador do vírus da Aids. Morava em Paulista, município da Região Metropolitana. Recebia, mensalmente, não só cesta básica, como também passagens para ir receber os produtos na Várzea. Pouco antes de morrer, ele faltou à festa anual das mães, organizada no bairro, onde era esperado. No dia seguinte, visitou Maria. Vestia terno e sandálias japonesas. Nas mãos, uma poncheira amarela; o motivo da ausência. "Ele me disse que tinha faltado porque estava pedindo dinheiro para a mulher que matava a fome dele. Ele queria comprar um presente", revela. Cosmo não foi à festa porque tinha aprendido a arte do bem pedir. A poncheira nunca foi usada. Está lá, até hoje, oito anos depois. É o segundo capítulo da vida de Maria. As vidas transformadas pela cidadania. O bem-estar social gratuito. A de Cosmo foi apenas uma delas. Algumas foram, outras serão.
Usando métodos próprios, Maria, hoje aposentada, buscou o alcançado pelo mítico herói inglês: ajudar. Tempos diferentes, resultados semelhantes. O galpão de casa não a deixa mentir. O espaço é o retrato vivo dos vários chás de bebês, festas do Dia das Crianças, entre outras atividades. "Em troca, ganho credibilidade e confiança dos moradores", diz. Encontros que a ensinaram a nunca dar um não. Em tempos difíceis, responde com talvez. E vai pedir. É uma técnica política, social e pedagógica que a vida lhe ensinou, e que a tornou mãe de toda a comunidade. São os filhos que não teve. Dois capítulos, muitas histórias. "Prazer, meu nome é Maria, eu queria pedir (...)". Os outros ainda estão sendo escritos.

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