Pedagoga aposentada usa o dom da palavra para obter ajuda e distribuir donativos tanto para entidades quanto para pessoas
Consta na literatura inglesa que Robin
Hood viveu durante o século 13, na Inglaterra. Hábil no uso do arco e
flecha, era louvado pelos pobres. Estava quase sempre acompanhado de
amigos nas suas investidas. Tal como é conhecido, o "príncipe dos
ladrões" pode até nem ter existido. Mas o legado mítico de ajudar a quem
precisa é real. No bairro da Várzea, no Recife, capital pernambucana,
Maria Holanda de Oliveira, de 77 anos, é uma versão moderna do herói.
Não precisa roubar para ajudar. Pratica a arte do bem pedir e do saber
falar. A palavra como arma de mudança social. Qualidades que a ajudam a
melhorar o cotidiano do seu bairro.
Quase oito décadas de uma vida, que pode
ser dividida em dois capítulos. Um, versa sobre pedagogia. Aos 17 anos
ensinava na casa-grande de um engenho, onde nasceu, a 200 metros do seu
atual endereço. "Dava aulas por amor. À época, meu pai era um rico
comerciante do bairro", explica. Cerca de duas décadas depois, as aulas
nas mesas centenárias da sala da casa seriam em colégios. A casa-grande
foi substituída pela sala de aula. Não menos importante.
A formação superior em pedagogia viria
em 1970. Cinco anos depois, a enchente mais destruidora que Pernambuco
já enfrentou destruiu a Escola Municipal Célia Arraes, onde Maria
ensinava. Quando o nível da água baixou, colégio e bairro começaram a
ser reconstruídos a partir da casa dela, poupada da enxurrada, que se
transformou em centro de arrecadação de donativos para moradores e
merenda para os alunos. "Foi triste, mas superamos pedindo e gastando
palavras", conta. Passou. Hoje, Maria se orgulha dos profissionais que
ajudou a formar como educadora. Revolução feita com cadernos, lápis e
borrachas, em mãos, e muitos pensamentos na cabeça. O primeiro capítulo.
A pedagogia assistencialista, aquela que vai além da sala de aula.
Atualmente, ela se dedica à política
social. Pedindo, venceu a desnutrição que acometia 60 crianças, entre
dois e seis anos, atendidas em uma creche do bairro da Mustardinha,
também do Recife. Desde 2008, já reuniu novos copos, pratos, fogões,
ventiladores e poltronas. "Tenho o dom de pedir", afirma. Em Boa Viagem,
ajuda outras 60 mulheres e 20 crianças. A ação mais recente foi a
semana do sabão. Conseguiu juntar mais de 50 barras. O pouco que
arrecada com os vizinhos, no próprio bairro, se transforma em alimento e
conforto para quem precisa.
Quando olha para trás, revive as
histórias do passado. Como a de Cosmo. Para ela, impossível esquecer.
Foi Maria quem deu a ele mais um ano de vida. Cosmo era portador do
vírus da Aids. Morava em Paulista, município da Região Metropolitana.
Recebia, mensalmente, não só cesta básica, como também passagens para ir
receber os produtos na Várzea. Pouco antes de morrer, ele faltou à
festa anual das mães, organizada no bairro, onde era esperado. No dia
seguinte, visitou Maria. Vestia terno e sandálias japonesas. Nas mãos,
uma poncheira amarela; o motivo da ausência. "Ele me disse que tinha
faltado porque estava pedindo dinheiro para a mulher que matava a fome
dele. Ele queria comprar um presente", revela. Cosmo não foi à festa
porque tinha aprendido a arte do bem pedir. A poncheira nunca foi usada.
Está lá, até hoje, oito anos depois. É o segundo capítulo da vida de
Maria. As vidas transformadas pela cidadania. O bem-estar social
gratuito. A de Cosmo foi apenas uma delas. Algumas foram, outras serão.
Usando métodos próprios, Maria, hoje
aposentada, buscou o alcançado pelo mítico herói inglês: ajudar. Tempos
diferentes, resultados semelhantes. O galpão de casa não a deixa mentir.
O espaço é o retrato vivo dos vários chás de bebês, festas do Dia das
Crianças, entre outras atividades. "Em troca, ganho credibilidade e
confiança dos moradores", diz. Encontros que a ensinaram a nunca dar um
não. Em tempos difíceis, responde com talvez. E vai pedir. É uma técnica
política, social e pedagógica que a vida lhe ensinou, e que a tornou
mãe de toda a comunidade. São os filhos que não teve. Dois capítulos,
muitas histórias. "Prazer, meu nome é Maria, eu queria pedir (...)". Os
outros ainda estão sendo escritos.
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